Memórias afetivas na periferia de Fortaleza

Memórias afetivas na periferia de Fortaleza

Edição 2024 do Projeto Patrimônio Para Todos – Uma aventura através das memórias conclui visitas aos bairros de Fortaleza, celebrando a diversidade do patrimônio cultural e fortalecendo vínculos entre jovens e seus territórios periféricos

Para os jovens que participaram da edição 2024 do Projeto Patrimônio Para Todos (PPT) – Uma aventura através das memórias, andar pelas ruas de seus bairros passou a ser algo diferente. Isso porque, a partir das oficinas de educação patrimonial promovidas pelo Projeto, foi possível descobrir que praças, ruas, paisagens, comércios na esquina, brincadeiras de rua…. todo o cotidiano de um território pode guardar uma forte relação com a história e memória afetiva do bairro, sendo, também, referência cultural e patrimonial.

O PPT, iniciativa da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) – equipamento da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), tem o intuito de sensibilizar a juventude de Fortaleza sobre a importância de conhecer e promover a diversidade do patrimônio cultural presente na cidade. De 5 de agosto a 30 de setembro deste ano, o Projeto percorreu os bairros Dias Macedo, Vila União, José de Alencar, Planalto Ayrton Senna e Antônio Bezerra.

Em cada um dos territórios, as oficinas – ministradas por 10 facilitadores formados(as) pela EAOTPS – procuraram despertar nos mais de 100 jovens participantes uma consciência crítica sobre a importância de se conhecer, registrar e difundir a memória e a diversidade do patrimônio cultural dos seus bairros. Durante as aulas, os(as) participantes realizaram uma pesquisa de campo colaborativa, através da qual foram identificadas as referências culturais presentes nos bairros contemplados.

“Foi uma experiência única! É um projeto que aproxima mais os jovens do bairro em que vivem e desperta uma outra visão, fazendo com que não tenha apenas a imagem de um bairro violento ou perigoso, mas sim, um local que guarda muitas memórias e lutas passadas. O projeto me fez aprofundar mais o meu conhecimento de onde convivo”, relata Maria Izabely de Souza, aluna do PPT no bairro Planalto Ayrton Senna, também conhecido como Pantanal, primeiro nome dado ao território.

Segundo Hannah Mariah, assessora pedagógica do Projeto, o PPT procura romper com o imaginário comum de que patrimônio se reduz a edificações históricas ou obras de arte. “Patrimônio é algo diverso, cultural, social e afetivo. E no Projeto, não é o Estado que institucionaliza e consagra o que deve ou não ser patrimônio. É justamente o contrário, são os moradores que escolhem as referências culturais dos seus bairros, numa perspectiva decolonial. E estas referências podem ser lugares, costumes, lendas, saberes e fazeres e personalidades populares que denominamos guardiões das memórias”, ressalta Hannah.

Ao todo, 50 referências culturais foram identificadas na edição 2024 do Projeto. Dona Célia do Barro e seu artesanato no barro e no papel, no Dias Macedo; a Quadrilha Junina Zé Testinha, no Vila União; o Doutor Alvez e seu artesanato com material reciclável, no José de Alencar; a ONG TV Janela, que desenvolve projetos de comunicação comunitária, no Planalto Ayrton Senna; e o Terreiro Nego Chico e Nego Gerson, no Antônio Bezerra são apenas alguns dos exemplos do inventário cultural participativo construído pelos jovens participantes do Projeto. Todo esse resultado está sendo divulgado no perfil do instagram @patrimonioparatodos.

Nova relação com a memória e a cidade – “A experiência de participar do Projeto Patrimônio para Todos não só instigou a vontade que eu tinha em desbravar a cidade de Fortaleza, como também reacendeu em a esperança de que os sonhos valem”. O sentimento de Camila Soares revela como o projeto estimula novas relações com a cidade onde vivemos e as memórias que existem por trás dessas relações. Graduanda em Ciências Sociais, Camila foi uma das 10 jovens selecionadas para atuar como facilitadora do PPT. Para isso, ela recebeu uma formação de 70 horas/aula que a ajudaram a se preparar para replicar os conhecimentos adquiridos na oficina realizada no bairro Vila União.  Porém, a formação foi além e a fez revisitar suas próprias memórias de infância, no município de Marco/CE, e fortalecer seu vínculo com o bairro Serviluz, onde vive hoje. “Toda a formação que recebi abriu caminhos para que eu pudesse fazer o exercício de pensar na cidade que eu morava. Eu fui pesquisando dentro da minha história, da história dos meus familiares, sobre patrimônios imateriais que eles praticavam. Por exemplo, fazer chapéu de palha, as casas de farinha, o bordado em pano de prato… tinha essa tradição da minha família que era algo que eu via como um hobby, tipo, a minha avó fazia isso, mas quando eu entro no projeto, compreendi a dimensão que eram esses ofícios. Cada vez que eu saia (das aulas) da Escola, fazia esse paralelo entre as histórias de Fortaleza que eu vivenciava aqui e a do interior”, relata.

Na oficina que ministrou no bairro Vila União, Camila procurou também contribuir para estimular um sentimento de pertencimento dos jovens moradores com seu território. “Eu acho que os conhecimentos que repassei contribuíram para aproximar os alunos do lugar que eles moram”, avalia. Para ela, a experiência da oficina foi uma troca valiosa que ajudou a plantar uma semente. “Eu também estava aprendendo junto com eles e aí acredito que foi uma aproximação dos alunos entre si. Eles passaram a enxergar o bairro, porque eles foram os protagonistas nas aulas de campo”, conclui.

Parceria com a Seduc – Este ano, numa parceria com a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), as oficinas aconteceram em escolas de tempo integral do Estado. Segundo Maninha Morais, gestora executiva da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, a parceria pode contribuir para que o Projeto futuramente se torne uma política pública. “A gente pretende fazer com o que o PPT inspire uma política pública de educação patrimonial no âmbito do Estado, envolvendo as secretarias da Cultura e da Educação. A parceria entre as duas secretarias neste ano foi um pontapé inicial para que isso aconteça futuramente”, ressalta Maninha.

Mais sobre o PPT: ao todo, o PPT já identificou e registrou mais de 600 referências culturais, envolvendo mais de 1500 jovens. Mais de 30 bairros de Fortaleza e 19 municípios do Estado foram visitados. O Projeto já foi reconhecido nacionalmente em 2012 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade e em 2023 pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) com o Prêmio Inventários Participativos.

Pular para o conteúdo