Escola Que Transforma – Roberto Moreira Chaves

Escola Que Transforma Roberto Moreira Chaves

Ex-aluno da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho transforma coleção de objetos de família em um Museu localizado no sertão cearense.

Quando adolescente, Roberto Moreira Chaves (28) cultivava um hábito bem típico da nossa cearensidade: a conversa de alpendre. Era onde costumava ouvir muitas histórias contadas pela avó materna, Dona Augusta, durante as tardes em sua casa na comunidade de Curral Grande, município São Gonçalo do Amarante (CE). O mesmo costume de prosear por horas a fio também buscava perpetuar com a avó paterna, dona Oneide, ao embalo de uma rede, na sua casa em São Luis do Curu (CE). Os ouvidos aguçados de Roberto não deixavam escapar nenhuma memória. Foi dos relatos das avós que ouviu, por exemplo, histórias de resiliência sobre a seca do sertão e de como ambas aprenderam ofícios tradicionais em busca de sustento, além de inúmeros causos pitorescos da região onde morava.

Mal sabia ele que ali começava uma trajetória de vida dedicada à pesquisa e à preservação do patrimônio histórico e dos saberes e fazeres do sertão. Inspirado pelas narrativas de suas avós, Roberto iniciou uma coleção de fotos e objetos da família. O que começou como uma brincadeira fruto de sua curiosidade investigadora, anos depois, tornou-se um vasto acervo pessoal que se confundia com a história da região da Ribeira do Curu, especialmente das duas cidades nativas dos avôs. O desejo de compartilhar as inúmeras narrativas e memórias que tinha em mãos foi sendo alimentado pelos conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida.

Em uma de suas férias escolares, quando visitava a Fortaleza, passou em frente à sede da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS), equipamento da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM), no bairro Jacarecanga. A Escola desenvolve há 20 anos projetos e cursos de capacitação em conservação e restauração do patrimônio cultural material e imaterial do Ceará. Vindo de São Luís do Curu para morar em Fortaleza, sua curiosidade inquietante o fez inscrever-se em 2012 como aluno. Era o pontapé para sua trajetória profissional.

Roberto foi um dos mais de cinco mil estudantes (a maioria jovens em situação de vulnerabilidade social) que concluíram cursos, oficinas e atividades educativas na área da conservação patrimonial e do artesanato promovidos pela Escola. Optou por fazer formações em encadernação, artesanato em couro e em conservação de bens móveis. “A Escola de Artes e Ofícios foi minha base. Eu já tinha o interesse por trabalhar com acervo, mas meu desejo em atuar nessa área se ampliou, o que ajudou a me tornar o profissional que sou hoje”, revela.

Os aprendizados na EAOTPS foram importantes para proporcionar a ele a experiência de trabalhar no restauro de bens públicos históricos, como os acervos da artista plástica Sinhá D’Amora (1906-2002), do Arquivo Público do Estado do Ceará e do Museu do Ceará, a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, o Museu Sacro São José do Ribamar e o Theatro José de Alencar (TJA).

Em 2017, Roberto formou-se em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e hoje, com 28 anos, está cursando o mestrado em arqueologia na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Tornou-se ainda servidor público técnico de Laboratório de Conservação e Restauro da UFC e atua como consultor na área de conservação e acervos arqueológicos no Instituto Cobra Azul de Arqueologia e Patrimônio.

Quando uma coleção virou Museu – O desejo despertado no ano de 2006, ainda na adolescência, de colecionar, preservar e partilhar memórias da família e da sua região permaneceu vivo em Roberto. Unindo os conhecimentos aprendidos ao longo de sua vida profissional com a relação que construiu com pessoas da comunidade Salgado dos Moreiras, em São Gonçalo do Amarante, reuniu e catalogou mais de 7 mil itens, entre fotografias, documentos, vestuários e peças de mobiliário e uso pessoal de famílias da região de Ribeira do Curu. Até que em 2019 conseguiu finalmente edificar o sonho da adolescência, inaugurando em uma área rural de São Gonçalo do Amarante o Museu Casa de Quinca Moreira. O nome é uma homenagem ao avô de Roberto, Joaquim Moreira (conhecido como Quinca Moreira) dono da fazenda que mais tarde originaria a comunidade Salgado dos Moreiras.

Após ser restaurada, a fazenda – construção mais antiga da comunidade, erguida na década de 1940 – passou a abrigar todo o acervo reunido com a ajuda da vizinhança. As peças do Museu retratam o modo de vida do povo sertanejo e contam como foi o início da ocupação da região da Ribeira do Curu. O povoamento surgiu a partir da fazenda, tendo ela abrigado os primeiros moradores e trabalhadores. Nos pedaços de terra doados por Quinca Moreira, foram construídos, por exemplo, espaços públicos como escola, praça, cemitério e igreja.

A criação do Museu e toda sua narrativa – de uma coleção que começou particular e virou um bem simbólico construído a várias mãos – fez com que, em 2020, Roberto fosse um dos vencedores do 33º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), considerado a maior iniciativa nacional na área do Patrimônio Cultural.

O Museu é aberto ao público e, nesse período de pandemia, tem recebido visitas agendadas pelo email casadequincamoreira@gmail.com ou instagram @museucasadequincamoreira. Para Maninha Morais, gestora executiva da Escola de Artes e Ofícios, a história de Roberto é uma demonstração viva de como o interesse em preservar o patrimônio pode trazer benefícios à sociedade. “Para nós é um orgulho saber que a EAOTPS traz impactos tão positivos na vida de jovens e na formação de uma consciência crítica sobre a importância de cuidar da nossa memória coletiva, dos saberes e fazeres tradicionais e da nossa história”, ressalta.

“A Escola foi importante nesse meu processo de compreensão sobre as dimensões que envolvem a preservação do patrimônio. A partir dela, o amor pela área só aumentou. Dedico a ela minhas conquistas profissionais”, avalia Roberto.

 

SERVIÇO

Museu Casa De Quinca Moreira – São Gonçalo do Amarante/CE

Entrada gratuita. Informações e agendamentos de visitas:

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